A Cultura na
perspectiva da Educação Popular, esse foi o tema abordado no segundo módulo do
4º Curso Estadual de Formação em Educação Popular da Recid Ceará, que aconteceu
nos dias 04 a 06 de outubro no município de Tabuleiro do Norte, região do Vale
do Médio Jaguaribe.
Com o
objetivo de reconhecer e valorizar as nossas muitas diferentes identidades
culturais, como fator para a coexistência harmoniosa das várias formas
possíveis de brasilidade, já que esta identidade se transforma, se recria de
acordo com a essência de cada povo, produto e produtor das variedades culturais
que coexistem no nosso país continente.
A importância de
estudar/abordar/dialogar a cultura na perspectiva de uma educação
transformadora e libertadora, se evidencia na medida em que compreendemos que estas
estão diluídas e misturadas uma na outra, coexistindo no mesmo espaço e tempo,
contextuais e históricas, produzindo e sendo produzidas pelo povo em
sintonia.
Neste cenário
ideológico, fomos acolhidos belissimamente pela pureza e cultura infantil do
Grupo de Teatro Cena’s que nos levou ao fantástico mundo do Era uma vez... onde
vivenciamos a mística de voltar a ser criança. Dançamos em roda, brincamos, nos
encantamos e criamos nosso acordo para o bem viver em grupo e nos organizamos
em equipes para registrar nossos momentos, animar o grupo, cuidar e ser
cuidado, refletir e gerar reflexão sobre o todo que construímos.
Neste módulo,
nos juntamos novamente para nos rever, nos aproximar, desvelar e revelar um
pouco mais de cada um de nós no outro e também concluir missões inconclusas.
Nos costuramos em retalhos diversos, assim como nós. Diferentes cores,
formatos, tamanhos, brilhos e idéias várias, nos compuseram em obra artística
popular. Há quem tenha se esquecido em casa (né seu Bruno!), mas se refez, se
contextualizou, e se fez novamente presente na composição.
Nos buscamos e
buscamos outros, nesse período entre os módulos, acumulamos saberes,
conceituamos. É certo que, uns mais, outros nem tanto e alguns de jeito nenhum,
mas nos fizemos grupo de novo e, nos juntando, ficamos fortes. O que um
aprendeu e soube, compartilhou com o todo, e na ocasião, estando presentes,
saberam as mesmas coisas, mesmo que de forma diferentes, não sabendo mais ou
menos que o outro, mas sabendo diferente. Assim Freire nos ensinou. E é isso,
também, que esta educação, dita Popular, veio a nos garantir.
Neste encontro, também
conhecemos gente nova, uns que faltaram no primeiro módulo, outros que se
achegaram a nós, e muito somou ao nosso diálogo popular. Salve Marcos Moraes,
paraibano arretado, neto de Manoel Moraes, caboclo destemido do sertão,
contemporâneo do cangaço de Lampião. Salve, salve, grande Marcos, que, na
proposta de fomentar o diálogo a cultura, o extrapola, evidenciando/costurando
os elementos necessários à uma abordagem crítica para além dos meros
conceitos. E o circulo de cultura a girar, deixando-nos tontos, embebidos
de conhecimento. Povo, multidão, massa... Quem é o povo brasileiro? Quem somos?
Que “mulestia” de povo é esse? Qual a nossa identidade cultural?
E, nos abreviamos assim: Somos muitos e somos um, somos
múltiplos, diversos, mas somos povo! E, para nos reconhecer enquanto povo,
precisamos nos reconhecer enquanto sujeitos, nos assujeitar-se, tomar a
decisão, nos conscientizar e gerar conscientização. Nos pertencer e pertencer
ao grupo, formar o povo. Pois, somos fruto de um processo histórico e cultural
de outros povos de diferentes identidades, com histórias singulares, portanto
de diferentes culturas. Como “uma panela de angu”, ou de “rulango”, para quem
preferir, fomos misturados e hoje somos o resultado dessa mistura que
constituiu/construiu esse todo, esse povo. Essa é nossa identidade e
culturalmente somos a heterogeneidade desse todo, desses povos fundidos em um,
sendo, criando e reinventando o nosso jeito de ser, fazer, se expressar, de
sentir. Somos a interculturalidade dessas múltiplas culturas, e só a partir
desse entendimento e aceitação (histórico e cultural) que nos entenderemos como
povo brasileiro e identidade cultural brasileira.
Devidamente
conscientes da nossa identidade de povo e cultura brasileira, nos dedicamos a
vivencia prática de uma oficina de Teatro do Oprimido. Nos disponibilizando a
jogar, guiados pelo “curinga”. Muitos de nós, tivemos esta experiência, como o
primeiro contato com esta arte, mas, “como dizia Augusto Boal " O ato de
transformar é transformador": não é preciso ser poeta para escrever um
poema, quem escreve um poema torna-se poeta.” Por ter esse entendimento é que
nos desafiamos a se apropriar das técnicas do Teatro do Oprimido para nos
desenvolver como atores. Por ser uma metodologia fácil de ser ensinada e de ser
aprendida, pode ser praticada em quase todos os espaços, sem exigências
técnicas sofisticadas, mas com uma enorme atenção a essência do ser humano, e
seu caráter transformador.
A oficina tinha, entre suas
várias proposta, nos ajudar a recuperar uma linguagem artística que já
possuímos, a aprendermos a viver em sociedade através do jogo teatral.
Aprendemos a sentir, sentindo; a pensar, pensando; a agir, agindo; ensaiando
para a realidade.
Experimentamos, jogamos, depois de uma breve contextualização
do seria o Teatro do Oprimido, algumas técnicas, dentre elas: o mosquito
africano, completar a imagem em dupla e grupo, partilha de história e criação
de uma imagem, floresta de sons, etc.
Os jogos, além de nos ter feito rir e refletir questões
importantes, nos ajudaram fazer uma leitura de nós mesmos, de nos perceber
atores e atrizes da realidade, nos mostrando que podemos protagonizar outras
histórias, mudando a atual. Nos mostrou que somos capazes de gerar
transformação que queremos.
Assim concluímos mais um dia, pelo menos sob a
luz do sol, porque a noite, que tanto nos seqüestrou alguns artistas
participantes, nos esperava para juntos celebrar nossa cultura popular. Era os
10 anos da Rede desenhada numa Quermesse Cultural enfeitada de crianças
alegres, de jovens artistas, de poesia, de dança tradicional, de comidas
nossas, de lazer, de contato intergeracional... E viva nossas culturas! Viva o
povo em ação, protagonizando sua história. Viva o Teatro Cena’s e o Movimento Ceará!
Amanhece
o nosso terceiro dia e o povo acorda para nele desenhar o aprendizado do
encontro, numa espécie de autoavaliação dos acúmulos vivenciados nos dias
anteriores. Nele objetivamos concluir o assunto dialogado neste módulo e
encaminhar as atividades de estudo e pesquisa para o Tempo Comunidade e ao
mesmo tempo avaliar os passos dados neste encontro. Nele, ainda, anunciamos o
próximo momento para encontrarmos e mais uma vez, voltar a sermos um. E isso já
está marcado, com tema, dia e lugar. Será nosso terceiro módulo como o tema “A
contribuição da arte e cultura na construção do Estado que Queremos!” no Espaço
Cultural Frei Tito de Alencar (ESCUTA), em Fortaleza, nos dias de 29 e 30 de
novembro a 01 de dezembro.
E assim, concluímos mais uma etapa do nosso 4º Curso Estadual
de Formação em Educação Popular, seguros do aprendizado construído
coletivamente e certo de que, diante de cada contexto específico, o homem se
constrói por meio da cultura, que é constructo histórico, ao qual está
inserido, manifestações culturais que o faz ser único diante do outro; o jeito
de falar, o jeito de andar, as formas de fazer; cada gesto expressa uma
determinada identidade, uma determinada cultura, um jeito próprio de ser, que
só pode ser sentido e ter sentido se for experenciado, vivenciado
cotidianamente.
Gilson Lucena