"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria". Paulo Freire

terça-feira, 8 de outubro de 2013

A Cultura na perspectiva da Educação Popular

 
A Cultura na perspectiva da Educação Popular, esse foi o tema abordado no segundo módulo do 4º Curso Estadual de Formação em Educação Popular da Recid Ceará, que aconteceu nos dias 04 a 06 de outubro no município de Tabuleiro do Norte, região do Vale do Médio Jaguaribe.

Com o objetivo de reconhecer e valorizar as nossas muitas diferentes identidades culturais, como fator para a coexistência harmoniosa das várias formas possíveis de brasilidade, já que esta identidade se transforma, se recria de acordo com a essência de cada povo, produto e produtor das variedades culturais que coexistem no nosso país continente.

A importância de estudar/abordar/dialogar a cultura na perspectiva de uma educação transformadora e libertadora, se evidencia na medida em que compreendemos que estas estão diluídas e misturadas uma na outra, coexistindo no mesmo espaço e tempo, contextuais e históricas, produzindo e sendo produzidas pelo povo em sintonia. 

Neste cenário ideológico, fomos acolhidos belissimamente pela pureza e cultura infantil do Grupo de Teatro Cena’s que nos levou ao fantástico mundo do Era uma vez... onde vivenciamos a mística de voltar a ser criança. Dançamos em roda, brincamos, nos encantamos e criamos nosso acordo para o bem viver em grupo e nos organizamos em equipes para registrar nossos momentos, animar o grupo, cuidar e ser cuidado, refletir e gerar reflexão sobre o todo que construímos.

Neste módulo, nos juntamos novamente para nos rever, nos aproximar, desvelar e revelar um pouco mais de cada um de nós no outro e também concluir missões inconclusas. Nos costuramos em retalhos diversos, assim como nós. Diferentes cores, formatos, tamanhos, brilhos e idéias várias, nos compuseram em obra artística popular. Há quem tenha se esquecido em casa (né seu Bruno!), mas se refez, se contextualizou, e se fez novamente presente na composição.

Nos buscamos e buscamos outros, nesse período entre os módulos, acumulamos saberes, conceituamos. É certo que, uns mais, outros nem tanto e alguns de jeito nenhum, mas nos fizemos grupo de novo e, nos juntando, ficamos fortes. O que um aprendeu e soube, compartilhou com o todo, e na ocasião, estando presentes, saberam as mesmas coisas, mesmo que de forma diferentes, não sabendo mais ou menos que o outro, mas sabendo diferente. Assim Freire nos ensinou. E é isso, também, que esta educação, dita Popular, veio a nos garantir.

Neste encontro, também conhecemos gente nova, uns que faltaram no primeiro módulo, outros que se achegaram a nós, e muito somou ao nosso diálogo popular. Salve Marcos Moraes, paraibano arretado, neto de Manoel Moraes, caboclo destemido do sertão, contemporâneo do cangaço de Lampião. Salve, salve, grande Marcos, que, na proposta de fomentar o diálogo a cultura, o extrapola, evidenciando/costurando os elementos necessários à uma abordagem crítica para além dos meros conceitos. E o circulo de cultura a girar, deixando-nos tontos, embebidos de conhecimento. Povo, multidão, massa... Quem é o povo brasileiro? Quem somos? Que “mulestia” de povo é esse? Qual a nossa identidade cultural?

E, nos abreviamos assim: Somos muitos e somos um, somos múltiplos, diversos, mas somos povo! E, para nos reconhecer enquanto povo, precisamos nos reconhecer enquanto sujeitos, nos assujeitar-se, tomar a decisão, nos conscientizar e gerar conscientização. Nos pertencer e pertencer ao grupo, formar o povo. Pois, somos fruto de um processo histórico e cultural de outros povos de diferentes identidades, com histórias singulares, portanto de diferentes culturas. Como “uma panela de angu”, ou de “rulango”, para quem preferir, fomos misturados e hoje somos o resultado dessa mistura que constituiu/construiu esse todo, esse povo. Essa é nossa identidade e culturalmente somos a heterogeneidade desse todo, desses povos fundidos em um, sendo, criando e reinventando o nosso jeito de ser, fazer, se expressar, de sentir. Somos a interculturalidade dessas múltiplas culturas, e só a partir desse entendimento e aceitação (histórico e cultural) que nos entenderemos como povo brasileiro e identidade cultural brasileira.

Devidamente conscientes da nossa identidade de povo e cultura brasileira, nos dedicamos a vivencia prática de uma oficina de Teatro do Oprimido. Nos disponibilizando a jogar, guiados pelo “curinga”. Muitos de nós, tivemos esta experiência, como o primeiro contato com esta arte, mas, “como dizia Augusto Boal " O ato de transformar é transformador": não é preciso ser poeta para escrever um poema, quem escreve um poema torna-se poeta.” Por ter esse entendimento é que nos desafiamos a se apropriar das técnicas do Teatro do Oprimido para nos desenvolver como atores. Por ser uma metodologia fácil de ser ensinada e de ser aprendida, pode ser praticada em quase todos os espaços, sem exigências técnicas sofisticadas, mas com uma enorme atenção a essência do ser humano, e seu caráter transformador.

A oficina tinha, entre suas várias proposta, nos ajudar a recuperar uma linguagem artística que já possuímos, a aprendermos a viver em sociedade através do jogo teatral. Aprendemos a sentir, sentindo; a pensar, pensando; a agir, agindo; ensaiando para a realidade. 
Experimentamos, jogamos, depois de uma breve contextualização do seria o Teatro do Oprimido, algumas técnicas, dentre elas: o mosquito africano, completar a imagem em dupla e grupo, partilha de história e criação de uma imagem, floresta de sons, etc.


Os jogos, além de nos ter feito rir e refletir questões importantes, nos ajudaram fazer uma leitura de nós mesmos, de nos perceber atores e atrizes da realidade, nos mostrando que podemos protagonizar outras histórias, mudando a atual. Nos mostrou que somos capazes de gerar transformação que queremos.





Assim concluímos mais um dia, pelo menos sob a luz do sol, porque a noite, que tanto nos seqüestrou alguns artistas participantes, nos esperava para juntos celebrar nossa cultura popular. Era os 10 anos da Rede desenhada numa Quermesse Cultural enfeitada de crianças alegres, de jovens artistas, de poesia, de dança tradicional, de comidas nossas, de lazer, de contato intergeracional... E viva nossas culturas! Viva o povo em ação, protagonizando sua história. Viva o Teatro Cena’s e o Movimento Ceará!
Amanhece o nosso terceiro dia e o povo acorda para nele desenhar o aprendizado do encontro, numa espécie de autoavaliação dos acúmulos vivenciados nos dias anteriores. Nele objetivamos concluir o assunto dialogado neste módulo e encaminhar as atividades de estudo e pesquisa para o Tempo Comunidade e ao mesmo tempo avaliar os passos dados neste encontro. Nele, ainda, anunciamos o próximo momento para encontrarmos e mais uma vez, voltar a sermos um. E isso já está marcado, com tema, dia e lugar. Será nosso terceiro módulo como o tema “A contribuição da arte e cultura na construção do Estado que Queremos!” no Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (ESCUTA), em Fortaleza, nos dias de 29 e 30 de novembro a 01 de dezembro. 

E assim, concluímos mais uma etapa do nosso 4º Curso Estadual de Formação em Educação Popular, seguros do aprendizado construído coletivamente e certo de que, diante de cada contexto específico, o homem se constrói por meio da cultura, que é constructo histórico, ao qual está inserido, manifestações culturais que o faz ser único diante do outro; o jeito de falar, o jeito de andar, as formas de fazer; cada gesto expressa uma determinada identidade, uma determinada cultura, um jeito próprio de ser, que só pode ser sentido e ter sentido se for experenciado, vivenciado cotidianamente.


Gilson Lucena