"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria". Paulo Freire

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Encontro Estadual da Rede de Educação Cidadã do Ceará

É na construção coletiva e cotidiana que se forjam os homens e mulheres na luta do povo!


Equipe de Educadores e Educadoras
A Rede de Educação do estado do Ceará (Recid Ceará) reafirmando o projeto popular de transformação e inserção social do povo cearense, realiza no período de 26 a 28 de agosto, na Sede da Obra Kolping do Brasil – Rua Mirtil Meyer, 100 – Mondubin/ Fortaleza – CE, o seu I Encontro Estadual (convênio 750364/ 2010 SDH/CAMP) com o objetivo de consolidar e ampliar os planejamentos, dar encaminhamentos e visibilidade as suas atividades planejadas em nível local, regional e estadual, como também reafirmar a coerência do seu trabalho a partir da leitura e análise do Projeto Político Pedagógico.
Sendo um público representativo das regiões do estado, 30 educadores e educadoras, munidos e munidas dos seus respectivos planejamentos regionais, tem a oportunidade de expor, se apropriar e vivenciar a Rede estadual nas suas mais diversas expressões culturais, sociais e de lutas específicas, mas que ao mesmo tempo, é única no desejo e anseio de transformação cidadã e popular.
O encontro configura-se num espaço vivo e dinâmico, de partilhas. Muitos outros adjetivos poderiam descrevê-lo, porém acreditamos que um o define com mais propriedade: ele é dialógico na sua essência, indo de encontro a proposta do Projeto Popular de nação, onde cada um e cada uma representa a todos e todas, não só no nosso estado mas em todo o país, o continente, o mundo. Porque ao mesmo tempo em que somos aldeões, somos também planetários, somos local e global.
A programação do encontro focou, além da relação de humanização do seu processo político pedagógico, a avaliação das políticas de organicidade, comunicação, gestão compartilhada e sustentabilidade da Rede, o fortalecimento dos coletivos regionais e estadual, o diálogo entre os planejamentos e as políticas da Rede, a vivência do PPP e trazer as especificações do novo convênio.
Dentro da programação do dia 27 haverá um momento de intercâmbio cultural, onde será oportunizado para todos e todas uma visita ao Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar, que oferecerá na sua agenda, em alusão ao mês do folclore, o IV Encontro de Grupos de Cultura Tradicional e Popular, tendo como título “Projeto Folgança – uma festa de ritmos e alegria”. Uma das apresentações é o Maracatu Nação Iracema, cujo cantor da Lôa é o Educador Popular João do Crato.
Faz-se necessário, trazer á luz do nosso povo, a luz dos nossos sonhos, lutas e conquistas populares, e que os motive a sonhar, lutar e conquistar com seus próprios anseios e desejos.
E a memória dos mártires, o sangue dos mártires, mais do que um conselho, [é] compromisso que conjuntamente assumimos, ou reassumimos (...). 'O que eu peço de vocês [é] que não esqueçam dos pobres; o que eu peço de vocês [é] que não esqueçam a opção pelos pobres, essencial ao Evangelho, à Igreja de Jesus'. A opção pelos pobres. E esses pobres se concretizam nos povos indígenas, no povo negro, na mulher marginalizada, nos sem-terra, nos prisioneiros..., nos muitos filhos e filhas de Deus proibidos de viver com dignidade e com liberdade.” (Transcrição livre da mensagem de dom Pedro Casaldáliga ao final da celebração de 17 de julho de 2011, na Romaria dos Mártires da Caminhada, cidade de Ribeirão Cascalheira, MT, Prelazia de São Félix do Araguaia).

Recid Ceará

Texto extraido do blog da RECID CE: http://movimentorecidce.blogspot.com/

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Remendos Coloridos numa Veste Preta





João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.

Educador Popular das CEBs no Paraná.

Mestrando em Teologia pela PUC-PR



Muito tem sido escrito sobre as contradições de nosso tempo. Muito se olhamos estatisticamente e comparamos com outros temas. Muitas discussões são feitas também, é verdade, em grupos de debate, em seminários e grupos de estudo. Vivemos a época da fala e da imagem. Ler e escrever são cada vez mais coisas do passado. É verdade também que há um vazio praticamente sem precedentes na história recente. Um vazio de referencias. Já não se fazem mais sociólogos com antes. Porta vozes de seu tempo; já não se encontra fácil um teólogo com coragem e profecia suficientes para dizer o que pensam a partir de sua profecia e de sua fé. Sem medo da carranca de seu bispo ou superior e sua “autoridade” para anular qualquer voz desobediente ou destoante. Quantos jornalistas conhecemos que estão a serviço da notícia e da história e não das conveniências da empresa que representa? Quantos poetas têm voz e lançam suas flexas com direção certa e destino certo e dizem, metafórica e alegoricamente verdades que somente eles sabem como dizê-las? É melhor vender livros. É possível desse jeito, ouvir o silêncio que paira no meio do barulho das repetições. Patina-se como uma tartaruga desvirada sobre uma superfície lisa. Todos dizem quase sempre a mesma coisa. Fala-se da ferida, mas não se mostra a ferida. Raramente se diz que feriu. Os artigos buscam em geral, mais agradar que incomodar. Se quem deve comunicar não comunica, quem devemos esperar que o faça?

Vivemos assim uma época e uma situação de grandes contradições. Os que cuidaram de nós quando criança – nossos pais, avós tios e tias – estão sendo abandonados. Às vezes dentro de casa, outras descartados em casas de “repouso”, pois lá são bem cuidados, dizem. Como Zaqueu, (Lc 19, 1- 10), é hora de assumirmos o compromisso de devolvermos a eles quatro vezes, no mínimo, o que deles recebemos. As crianças abandonadas, - meninos de Rua de quem temos tanto medo – são deserdadas das promessas de Deus e das conquistas do progresso tecnológico e científico. O amor é o grande vagabundo deste tempo. Por ser o bem maior e por ser gratuito, por exigir, portanto, compromisso concreto, exigir correr riscos, ser capaz de transgredir leis e normas. Sem o amor levado a sério tudo o mais será em vão. O migrante, o estrangeiro, pedaços da totalidade humana, pedaços de mim e de nós são triturados nas alfândegas do mundo. Espatifados pelos paises e continentes insistem em dizer que sua casa e sua pátria – nossa casa e pátria - é o planeta. Assim, o migrante é um Deus migrante, complementa a totalidade do Deus verdadeiro de quem somos porções. As fronteiras geográficas são cercadas com as fronteiras neoliberais da xenofobia, do preconceito, da intolerância, dos mais variados tipos de fundamentalismos. Da indiferença muitas vezes.

A língua varia, muda, dificulta a vida do migrante, mas a linguagem do amor e da fraternidade é permanente, compreensível e eficaz. É hora de juntar de novo, como fez o migrante de Nazaré, primeiro militante e preso político crucificado por subverter a ordem econômica, política e religiosa, opressora de seu tempo. É hora de juntar de novo a palavra e a ação. A ação e a palavra. Muitos outros tiveram a coragem profética de imitar o Nazareno. Correndo o risco consciente de deixar muitos outros fora, mesmo assim, citarei como representantes simbólicos de todos os lutadores. Paulo Freire se fez palavra na ação e se fez ação a partir de suas palavras corporificadas na ação concreta. Dom Hélder Câmara, o bispo vermelho, cuja tinta nesta cor se encontra em extinção, clama, Mariama! Quem o ouve? O rádio não toca sua canção pelo pobre. Frei Tito de Alencar, que por tanto merecer está vivo, vive em cada jovem estudante ou excluído do sistema educacional. A propósito, quantos desses jovens, incluídos ou não, sabem quem é e o que faz Dom Pedro Casaldáliga? O bispo poeta de um antigo e sempre novo jeito de toda a Igreja ser. O que fazemos como Igreja, da sabedoria e do testemunho profético de Dom Tomás Balduino? Quando vamos contar para nossa juventude deserdada de referências, de Dom Paulo Evaristo Arns? Quantos desses nossos jovens, a mais ou a menos tempo, sabem quem é Frei Betto, esse Frade Dominicano, intelectual militante de extensa obra literária, acadêmica e profética? Testemunha viva da história dos últimos quarenta anos de nossa história. Mais de cinqüenta livros escritos só em português. Que teve uma ação concreta, uma inserção no conceito de Paulo, no meio do povo.

Tenho me feito há algum tempo essa pergunta: o que estou fazendo das fontes de inspiração e dos referenciais éticos, políticos e religiosos que me fizeram militante? Agora tenho feito a mesma pergunta para meus companheiros de sorte, de caminho e destino. Essa é a nossa grande dívida interna, a meu ver, não ter conseguido transmitir o bastão da história que recebemos de nossos mestres aos que nos sucederão. Ao menos com a mesma propriedade deles. Teremos nós discípulos de nossas causas? Às vezes temo que não tenhamos, mesmo acreditando naquela expressão de Abraão com Isaac quando ele disse: “Deus proverá”. Não duvido disso, mas ao mesmo tempo, isso não nos desobriga do nosso compromisso.

Hoje, chegamos ao extremo de termos mais medo de uma criança de Rua do que de um prefeito corrupto ou de um vereador mercadoria que se vende e vota de acordo com a propina que lhe paga o prefeito. Temos mais medo de um mendigo ou de um morador de Rua – confundimos até um com o outro – do que de um pastor pedófilo, seja qual for a sua denominação religiosa e a sua função eclesial. A gente está se acostumando com slogans, e os substituindo no lugar da ação concreta e do compromisso. É melhor falar de evangelização, é muito mais fácil e cômodo que efetivamente evangelizar. Não compromete. Fácil também é encontrar alguém querendo mudar os outros e o mundo, mas não é fácil encontrar alguém disposto e querendo mudar a si mesmo e seus hábitos. Será por isso que as campanhas de marketing religioso com shoping center virtual e os horários de propaganda valorizados são tão aceitos? É instigante ver que a maior disputa de audiência hoje no rádio e na televisão, é entre os programas de violência e os programas “religiosos”, que parecem quase sinônimos. Usam o mesmo apelo, têm praticamente a mesma linguagem apelativa e a mesma didática. Uns, aparecem mais que Jesus e apenas usam dele para isso. Outros aparecem mais que as vitimas e suas famílias. Ambos ganham muito dinheiro e constroem castelos e fama. São ídolos de cera que cheiram à morfina da vaidade e não suportam o calor de uma religião libertadora ou de uma imprensa efetivamente democrática.

O remendo é tecido, assim como a roupa também o é, mas o remendo não é roupa. Temos confundido a todo instante o remendo com a roupa, as causas com as conseqüências, às coisas com as pessoas. Temos trocado a religião por uma legião de ideologias enganosamente desideologizadas. Para ficarem mais atraentes. Religião não pode ser confundida com terapia. A bíblia não pode ser resumida a um livro de autoajuda. Profeta não pode se substituído por artista. Confundimos a parte com a totalidade. O conceito com simples noção. Assim pensamos o ser humano e a vida fragmentados. Falamos do jovem, da criança ou do idoso e esquecemos que antes, eles são seres humanos. É por ser antes um ser humano que podem ser crianças, jovens ou idosos. Exemplo e testemunho e por isso mesmo mestre, é Zé Vicente, poeta, profeta das Comunidades Eclesiais de Base, porque não apenas canta a vida, mas deixa a vida cantar a partir dele. É instrumento a serviço dos pobres, da palavra E da vontade de Deus. Algo distinto e muito maior que ser artista simplesmente.


Curitiba, 31 de Julho de 2011.