A Rede de Educação Cidadã e um conjunto de organizações sociais vem debatendo junto com setores do Governo Federal a elaboração de uma Política Nacional de Educação Popular – PNEP. O objetivo é articular um campo de práticas, fortalecer iniciativas da sociedade civil e sensibilizar a educação pública a partir do referencial da educação popular crítica e transformadora. Um mapeamento dos processos educativos no Governo Federal, realizado pelo Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã1, elencou dezenas de ações desenvolvidas em conjunto com os movimentos sociais que podem ser articuladas a partir do referencial da educação popular.
Desde 2011 vem sendo construído coletivamente (governo + sociedade) um documento com diretrizes, princípios e o conceito do que se tem chamado educação popular para as políticas públicas. Em 22 de maio de 2014 foi publicada a Portaria nº11/2014 da Secretaria Geral da Presidência da República instituindo este documento intitulado “Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas”2. Este é um documento aberto a críticas e contribuições que espera-se seja complementado pelos diversos outros sujeitos praticantes da educação popular.
A ideia da educação popular por dentro da institucionalidade, de governos e do Estado mais especificamente, não é nova. Na década de 60 o Plano Nacional de Alfabetização coordenado por Paulo Freire já tinha esta intenção. Trazer para o Estado a vitalidade de práticas educativas emancipatórias como estratégia, à época, de superação do analfabetismo, mas também de disputa do sentido e da finalidade do Estado. A Ditadura abortou esta experiência logo que foi vitoriosa em 1964.
Nas décadas de 1970 e 1980 o movimento de educação popular foi essencial para a construção dos referenciais que predominaram nas atividades de formação dos movimento sociais que se consolidavam à época. A organização popular em geral atuou, neste período, contra o Estado e não por dentro do Estado. Assim a educação popular passou a ser mais identificada com práticas não estatais, ou anti-estatais.
Ao final da década de 1980 e na década de 1990, com a experiência do governo popular de Luiza Erundina na cidade de São Paulo, tendo Paulo Freire à frente da secretaria municipal de educação, retomam-se as experiências de educação popular por dentro do Estado. Em sentido semelhante surgem as experiência do orçamento participativo no sul do país além dos conselhos e conferências de políticas públicas com a Constituição de 1988. Estas iniciativas fazem pensar no papel do Estado e da democracia, e trazem de forma conjunta a participação popular e a educação que a potencializa. Ou seja, a educação voltada para o fortalecimento da cidadania, que incentiva a luta por direitos e a participação do cidadão comum.
Em 2003 foi criada a Rede de Educação Cidadã inicialmente como ação do Programa Fome Zero, e posteriormente ampliou suas frentes de atuação para além das “beneficiárias” dos programas governamentais. A RECID é uma experiência de articulação de diversos sujeitos para realização de processos educativos com vistas ao fortalecimento da cidadania e da organização popular. Ao mesmo tempo que parte do Estado valoriza os princípios da educação popular, o diálogo, o partir da realidade, a valorização dos conhecimentos populares e a intenção de transformar a realidade, de baixo para cima. É, portanto, mais uma experiência de educação popular como política pública, de onde surge a ideia da PNEP.
Em que consiste a PNEP?
A proposta é que a PNEP seja uma política voltada para agregar diversas ações do Governo Federal – economia solidária, educação ambiental, educação de jovens e adultos, educação popular em saúde etc – em torno de um referencial comum, baseado nos princípios da educação popular que respeita a diversidade cultural e de saberes, parte do contexto social em que se desenvolve e visa a transformação da realidade. Seu foco são as práticas estatais materializadas nas politicas públicas. Portanto, podemos dizer que é uma política que busca fortalecer o controle social.
Este é um ponto sobre o qual, geralmente, se estabelece uma falsa polêmica. Baseada na questão sobre o que vem a ser controle social.
Controle social: se exercido pelo Estado pode ser expressão do autoritarismo, se exercido pela sociedade pode ser expressão de democracia.
Para superar esta questão é importante reforçar alguns pontos. Primeiro é necessário dizer que a proposta da PNEP está voltada para programas, ações e planos que já existem no Governo Federal. A PNEP não interfere nas práticas de educação popular existentes na sociedade, que inclusive, são muito maiores e mais vigorosas do que a institucionalidade consegue abranger. Em segundo lugar, a proposta é que a política seja gestada e gerida por uma comissão com representantes do governo e da sociedade civil. Ou seja, sua gestão é baseada em uma instância de participação popular. Terceiro elemento é que a PNEP buscará garantir que a metodologia participativa da educação popular seja seguida nos processos de formulação, execução e avaliação das políticas públicas.
Portanto, não corremos o risco de que a educação popular seja cooptada, controlada, resumida a uma política, ou mesmo asfixiada pela ação do Estado. Afinal ela busca criar uma matriz de processos educativos a partir do que já existe no Governo Federal.
Como está sendo construída a PNEP?
Este processo de debate requer coerência com os princípios da educação popular. Por isso está sendo desenvolvido a partir de rodas de conversa, oficinas e um sem numero de debates abertos dos quais participam diversos atores sociais.
Em 2011 foi realizado um seminário a partir da Rede de Educação Cidadã com a participação de movimentos sociais de diversas áreas. No ano de 2012 foi iniciado uma articulação com integrantes de grupos de pesquisa e entidades sociais que trabalham com educação popular. Nos anos de 2013 e 2014 foram realizados dois seminários que buscaram agrupar movimentos sociais, Rede de Educação Cidadã, organizações da sociedade civil e Governo Federal para debater a proposta da PNEP.
O Marco de Referência foi construído após consulta pública de 30 dias, acessada por quase 2 mil pessoas. Ainda hoje é possível participar dos debates, se informar e contribuir por meio do portal da participação social do governo federal, no endereço www.participa.br/educultura.
Em 2013 foram realizadas as etapas municipais, regionais e estaduais da 2ª Conferência Nacional de Educação. Período rico em debates sobre as potencialidades e limites desta política que busca recolocar a educação popular como elemento essencial à construção de um projeto de nação democrático e popular.
A conferência de educação e os seminários sobre a política, contribuíram para a definitiva aproximação do MEC do debate sobre a PNEP. Por outro lado aproximou toda esta movimentação dos debates em torno da aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE.
O texto do PNE aprovado traz, na estratégia 20 da meta 7:
Mobilizar as famílias e setores da sociedade civil, articulando a educação formal com experiências de educação popular e cidadã, com os propósitos de que a educação seja assumida como responsabilidade de todos e de ampliar o controle social sobre o cumprimento das políticas públicas educacionais.
Portanto nos próximos dez anos, tempo de vigência do PNE, viveremos a intensificação dos debates e a experimentação de práticas de educação popular também por dentro do ensino escolar.
Este cenário é convidativo para dar capilaridade ao debate sobre a política de educação popular junto com os rumos que queremos dar à educação pública. Este é o desafio no momento, massificar a proposta da PNEP para ser debatida por todos aqueles e aquelas que lidam com práticas de educação no Brasil e entendem a importância da educação popular para a construção de uma sociedade mais justa, solidária, democrática e popular.
Brasília, 21 de julho de 2014.
Marcel Franco Araújo Farah
Coordenador Geral de Processos Formativos/Secretaria Geral da Presidência da República
1Departamento integrante da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República.