Educador Popular das CEBs no Paraná.
Mestrando em Teologia pela PUC-PR
Muito tem sido escrito sobre as contradições de nosso tempo. Muito se olhamos estatisticamente e comparamos com outros temas. Muitas discussões são feitas também, é verdade, em grupos de debate, em seminários e grupos de estudo. Vivemos a época da fala e da imagem. Ler e escrever são cada vez mais coisas do passado. É verdade também que há um vazio praticamente sem precedentes na história recente. Um vazio de referencias. Já não se fazem mais sociólogos com antes. Porta vozes de seu tempo; já não se encontra fácil um teólogo com coragem e profecia suficientes para dizer o que pensam a partir de sua profecia e de sua fé. Sem medo da carranca de seu bispo ou superior e sua “autoridade” para anular qualquer voz desobediente ou destoante. Quantos jornalistas conhecemos que estão a serviço da notícia e da história e não das conveniências da empresa que representa? Quantos poetas têm voz e lançam suas flexas com direção certa e destino certo e dizem, metafórica e alegoricamente verdades que somente eles sabem como dizê-las? É melhor vender livros. É possível desse jeito, ouvir o silêncio que paira no meio do barulho das repetições. Patina-se como uma tartaruga desvirada sobre uma superfície lisa. Todos dizem quase sempre a mesma coisa. Fala-se da ferida, mas não se mostra a ferida. Raramente se diz que feriu. Os artigos buscam em geral, mais agradar que incomodar. Se quem deve comunicar não comunica, quem devemos esperar que o faça?
Vivemos assim uma época e uma situação de grandes contradições. Os que cuidaram de nós quando criança – nossos pais, avós tios e tias – estão sendo abandonados. Às vezes dentro de casa, outras descartados em casas de “repouso”, pois lá são bem cuidados, dizem. Como Zaqueu, (Lc 19, 1- 10), é hora de assumirmos o compromisso de devolvermos a eles quatro vezes, no mínimo, o que deles recebemos. As crianças abandonadas, - meninos de Rua de quem temos tanto medo – são deserdadas das promessas de Deus e das conquistas do progresso tecnológico e científico. O amor é o grande vagabundo deste tempo. Por ser o bem maior e por ser gratuito, por exigir, portanto, compromisso concreto, exigir correr riscos, ser capaz de transgredir leis e normas. Sem o amor levado a sério tudo o mais será
A língua varia, muda, dificulta a vida do migrante, mas a linguagem do amor e da fraternidade é permanente, compreensível e eficaz. É hora de juntar de novo, como fez o migrante de Nazaré, primeiro militante e preso político crucificado por subverter a ordem econômica, política e religiosa, opressora de seu tempo. É hora de juntar de novo a palavra e a ação. A ação e a palavra. Muitos outros tiveram a coragem profética de imitar o Nazareno. Correndo o risco consciente de deixar muitos outros fora, mesmo assim, citarei como representantes simbólicos de todos os lutadores. Paulo Freire se fez palavra na ação e se fez ação a partir de suas palavras corporificadas na ação concreta. Dom Hélder Câmara, o bispo vermelho, cuja tinta nesta cor se encontra em extinção, clama, Mariama! Quem o ouve? O rádio não toca sua canção pelo pobre. Frei Tito de Alencar, que por tanto merecer está vivo, vive em cada jovem estudante ou excluído do sistema educacional. A propósito, quantos desses jovens, incluídos ou não, sabem quem é e o que faz Dom Pedro Casaldáliga? O bispo poeta de um antigo e sempre novo jeito de toda a Igreja ser. O que fazemos como Igreja, da sabedoria e do testemunho profético de Dom Tomás Balduino? Quando vamos contar para nossa juventude deserdada de referências, de Dom Paulo Evaristo Arns? Quantos desses nossos jovens, a mais ou a menos tempo, sabem quem é Frei Betto, esse Frade Dominicano, intelectual militante de extensa obra literária, acadêmica e profética? Testemunha viva da história dos últimos quarenta anos de nossa história. Mais de cinqüenta livros escritos só
Tenho me feito há algum tempo essa pergunta: o que estou fazendo das fontes de inspiração e dos referenciais éticos, políticos e religiosos que me fizeram militante? Agora tenho feito a mesma pergunta para meus companheiros de sorte, de caminho e destino. Essa é a nossa grande dívida interna, a meu ver, não ter conseguido transmitir o bastão da história que recebemos de nossos mestres aos que nos sucederão. Ao menos com a mesma propriedade deles. Teremos nós discípulos de nossas causas? Às vezes temo que não tenhamos, mesmo acreditando naquela expressão de Abraão com Isaac quando ele disse: “Deus proverá”. Não duvido disso, mas ao mesmo tempo, isso não nos desobriga do nosso compromisso.
Hoje, chegamos ao extremo de termos mais medo de uma criança de Rua do que de um prefeito corrupto ou de um vereador mercadoria que se vende e vota de acordo com a propina que lhe paga o prefeito. Temos mais medo de um mendigo ou de um morador de Rua – confundimos até um com o outro – do que de um pastor pedófilo, seja qual for a sua denominação religiosa e a sua função eclesial. A gente está se acostumando com slogans, e os substituindo no lugar da ação concreta e do compromisso. É melhor falar de evangelização, é muito mais fácil e cômodo que efetivamente evangelizar. Não compromete. Fácil também é encontrar alguém querendo mudar os outros e o mundo, mas não é fácil encontrar alguém disposto e querendo mudar a si mesmo e seus hábitos. Será por isso que as campanhas de marketing religioso com shoping center virtual e os horários de propaganda valorizados são tão aceitos? É instigante ver que a maior disputa de audiência hoje no rádio e na televisão, é entre os programas de violência e os programas “religiosos”, que parecem quase sinônimos. Usam o mesmo apelo, têm praticamente a mesma linguagem apelativa e a mesma didática. Uns, aparecem mais que Jesus e apenas usam dele para isso. Outros aparecem mais que as vitimas e suas famílias. Ambos ganham muito dinheiro e constroem castelos e fama. São ídolos de cera que cheiram à morfina da vaidade e não suportam o calor de uma religião libertadora ou de uma imprensa efetivamente democrática.
O remendo é tecido, assim como a roupa também o é, mas o remendo não é roupa. Temos confundido a todo instante o remendo com a roupa, as causas com as conseqüências, às coisas com as pessoas. Temos trocado a religião por uma legião de ideologias enganosamente desideologizadas. Para ficarem mais atraentes. Religião não pode ser confundida com terapia. A bíblia não pode ser resumida a um livro de autoajuda. Profeta não pode se substituído por artista. Confundimos a parte com a totalidade. O conceito com simples noção. Assim pensamos o ser humano e a vida fragmentados. Falamos do jovem, da criança ou do idoso e esquecemos que antes, eles são seres humanos. É por ser antes um ser humano que podem ser crianças, jovens ou idosos. Exemplo e testemunho e por isso mesmo mestre, é Zé Vicente, poeta, profeta das Comunidades Eclesiais de Base, porque não apenas canta a vida, mas deixa a vida cantar a partir dele. É instrumento a serviço dos pobres, da palavra E da vontade de Deus. Algo distinto e muito maior que ser artista simplesmente.
Curitiba, 31 de Julho de 2011.