"A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria". Paulo Freire

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Compreendendo o Poder Popular

Compreendendo o Poder Popular

A questão do “Poder” e, especificamente, do Poder Popular é central na definição de um projeto de sociedade. Esse tema deve ser tratado de forma concreta, pensando em formações sociais e nos modos de produção existentes. Cada Sociedade tem uma historia própria, no campo político, social, econômico e cultural. Portanto, como postura de método, não podemos discutir a questão de forma abstrata, fora da História e das sociedades concretas.

1 - O que é o Poder?

As classes dominantes instituem, por diversos meios e métodos, uma ordem social que consagra os privilégios das minorias proprietárias e que, através de complexa cadeia de mediações, deposita nas mãos dos capitalistas o controle da economia, da política, da cultura e de praticamente todos os setores da vida social. Esse é o campo da ideologia e da Comunicação. Estas mediações ocultam de modo eficaz os mecanismos de exploração e opressão e projetam uma falsa imagem de um consenso amplo em torno da ordem vigente.

Frente a essa complexa “ordem dominante”, as classes dominadas respondem, no desenvolvimento histórico, com diversas formas de luta, que abrem caminho à diversos modos de acesso ao poder. A História das lutas sociais está marcada por rebeliões, revoltas e revoluções como tentativas de transformação radical das estruturas sociais.

2 - Onde está o Poder?

  • Estas lutas radicais que produzem transformações estruturais na estrutura social (Estado, Capital e Trabalho) necessitam ou não de um ‘momento de tomada do poder?
  • Então o que significa essa “tomada do poder”?
  • Tomar o poder equivale à conquista do Governo?
  • Tomar o poder equivale à conquista das varias “cidadelas” da Sociedade Civil?
  • Tomar o poder é controlar uma região? Um território?

3 - A Questão do Estado

Junto à visão estratégica, centrada na questão da “tomada do poder”, vem junto a questão do Estado, que nessa visão concentra o poder social e, por isso, é um espaço a ser ‘tomado”. Nesta concepção ‘instrumentalista”, o Estado capitalista é tido como um simples objeto ou instrumento-máquina, manipulado pela burguesia. O Estado é uma máquina monolítica sem fissuras. Não está atravessado por contradições.

Entretanto, pensamos que o Estado é uma “síntese de conflitos sociais” e não uma ‘coisa’ ou uma ‘maquina apenas’. Numa visão ampla, o Estado é síntese de 3 pontos centrais da sociedade capitalista:

a) O Estado do Capital é um Estado de classe. E, portanto, sua lógica é a de garantir a produção e reprodução das relações capitalistas de produção;

b) O Estado é também um aparato administrativo, burocrático, político e legal. Essa Superestrutura tem por base um conjunto de relações de força entre as classes fundamentais, seus aliados e seus representantes políticos; Em um determinado momento forma-se um “Bloco Histórico”. Esse processo de reprodução do capital requer um aparato de força militar e policial. Deste modo, o Estado detém o monopólio da violência.

c) No campo das representações simbólicas, da ideologia, o Estado aparece’ como um cenário ‘neutro’, que oculta sua essência classista.

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4 - “Tomar” o poder ou construir um novo poder?

Se o Estado não é apenas uma ‘maquina’ e/ou uma coisa’, a transformação social é mais um processo de construção de um novo Poder que o ato de ‘tomada de algo chamado ‘O Poder’.

Sendo assim, construir novas relações sociais no conjunto da Sociedade para o campo popular significa:

- A formação de uma nova relação de forças na qual as classes populares convertam-se em classes dominantes. Esse processo requer a mobilização e a organização democrática de um amplo campo popular com capacidade para derrotar os projetos das classes dominantes e as desalojarem das posições de poder que ocupam;

- A ‘construção’ de um novo poder só pode se efetuar sob uma forte e sistemática construção “por Baixo”, com base na mobilização e na luta de forças e movimentos populares de todo tipo e articuladas em uma organização política capaz de sintetizar essas complexidades.

Neste sentido, as experiências históricas, guardando a especificidade de cada país, demonstram que a construção de um novo poder e de uma contra-hegemonia nas sociedades da América Latina só se dão na medida que conseguem construir um sujeito político plural, múltiplo, a partir de sua diversidade étnica, articulado há um amplo arco de forças políticas, culturais, religiosas e sociais.

5 - Esfera Pública e Popular e Esfera Estatal Democrático Ética

A consolidação de posições permanentes de Poder Popular exige a resolução da questão do Poder Estatal. Se o Estado constitui uma parcela do Poder; se é parte de uma totalidade complexa, a luta política e de classes também se expressa no interior do Estado.

O exercício do Poder Estatal-governamental por parte das classes populares constitui um momento fundamental no projeto para criar um novo Bloco hegemônico. A questão da autonomia dos movimentos sociais não significa isolamento em relação à questão do poder, sobretudo do poder concentrado no Estado. Neste sentido, o Estado, compreendido como espaço de “síntese dos conflitos sociais”, é atravessado pelas lutas sociais..

Esse processo é marcado pela construção, em todos os espaços de estruturação da sociedade, por organismos político-culturais que permitam ao Povo governar-se. Não necessita dar o “Poder” a uma pessoa ou a uma elite para que governe a todos. As relações sociais se constroem de outro modo. O “Poder”, vimos, não é uma “coisa”, é uma relação social que pode ser construída a partir das próprias comunidades.

Neste sentido, o Poder Popular não é um regime; Ele é práxis, laboratório histórico de experimentação e construção de novas relações sociais.

O processo de construção do poder popular, na perspectiva de construção emancipatória e da contra- hegemonia, vai prefigurando e antecipando a articulação de uma Esfera Pública e uma Esfera estatal-democrática, ambas em contraposição à Esfera do capital, expressa no mercado e nas relações mercantilizadas, onde tudo se transforma em mercadoria.

Podemos sintetizar:

A construção do PP implica uma transformação radical do Estado que articule a ampliação e o aprofundamento das Instituições da democracia representativa e das liberdades democráticas conquistadas nas lutas, com a construção de formas de democracia direta na base e também de formas de auto-gestão. Contudo, a construção de um poder popular é marcada por um longo e conflituoso processo de transição econômico, político, social e cultural. A construção deste processo exige uma Pedagogia emancipatória.

6 - A Pedagogia de construção do Poder popular

Essa Pedagogia baseia-se na necessidade de articular o político com o social, de pensar e fazer política com um fundamento social; Portanto tem por eixo a idéia de articular e projetar experiências de ‘socialismo prático’ desenvolvidas pelas classes populares. Essa práxis/pedagogia busca resolver as contradições a favor das classes populares; busca a reestruturação radical das relações sociais. A participação popular é chave nesse processo. Não há socialismo sem poder popular e não há poder popular sem socialismo!

A educação popular é estratégica na construção da revolução cultural e moral do cotidiano. A construção de uma contra-hegemonia significa a criação de uma nova ordem, qualitativamente superior à civilização burguesa; implica uma dimensão ética e cultural.

Resgatando os pontos do texto: Educação Popular como Política Pública:

a) A educação popular tende a colocar a organização popular de base, no centro mesmo da construção do projeto político alternativo;

b) A educação popular destaca a importância da democracia na construção do novo projeto hegemônico;

c) A educação popular pôe a cultura popular como fonte de identidade e força do projeto popular nacional;

d) A educação popular reconhece a vida cotidiana, a ‘experiência’, como um espaço de construção da nova hegemonia; Valoriza a cultura popular e a vida cotidiana do povo;

e) A educação popular pôe em relevo a importância do papel do individuo e da subjetividade;

f) A educação popular assume que o”projeto nacional” é construído a partir das experiências concretas e particulares;

g) A educação Popular tem como fundamental a sistematização das experiências de lutas e organização sociais. Pois, não há movimento de transformação sem teoria.

7 - A Utopia Concreta e o conteúdo do Poder Popular

“A radical transformação do capital pelos auto-emancipados de sua presente dominação do metabolismo social (Estado, Capital e Trabalho assalariado) é o exato conteúdo do projeto socialista. Em oposição ao modo como se exerce o domínio do Capital sobre a Sociedade, a concepção socialista vislumbra nas palavras de Marx: ’Um plano geral de indivíduos livremente associados’. É o que se quer dizer com a proposta de transformação do trabalho em auto-atividade”, segundo István Mezaros. Tentemos ’traduzir’ essa visão à luz do Projeto Político Pedagógico da Recid:

7.1 - Os Espaços do poder popular

O Poder não está concentrado em determinado espaço da sociedade, mas se dissemina de forma desigual, porém combinada no conjunto da formação social. Neste sentido, a construção de uma contra-hegemonia demanda a construção de novas relações na totalidade da vida social:

a) Autogestão do processo de trabalho-produção: É a partir da vida cotidiana e dos locais de trabalho e de moradia que deve começar a desarticulação e a ruptura com os mecanismos de exploração e dominação. Esta superação implica a planificação coletiva da produção e a supressão da divisão econômico-social entre dirigentes e dirigidos. Os trabalhadores convertem-se em produtores ativos e conscientes, livremente associados.

b) Auto-organização política: a autogestão da atividade produtiva é apenas um aspecto do projeto político. Ela necessita abranger o conjunto da sociedade e sua organização. Questionar radicalmente a dominação política e o poder do Estado enquanto superestrutura alienante. A lógica do lucro deve ser abolida no conjunto da sociedade: fábricas, escolas, bairros, família, sindicatos, partidos, igrejas, etc. Trata-se de, sobre a base da realidade popular, respeitada em sua heterogeneidade, ir construindo um novo metabolismo social e forjando uma ‘vontade coletiva nacional-popular’ em que diversos coletivos sociais possam convergir e reconhecer-se dentro de um mesmo projeto comum. Trata-se, enfim, de os(as) trabalhadores(as) associados(as), de indivíduos socializados que buscam formar comunidades humanas solidárias.

c) Autocriação cultural: As transformações econômicas, e mesmo as modificações sociopolíticas, não são suficientes para definir o Projeto de transformação social numa linha de emancipação socialista. Para esta ser radical e integral deve questionar, criticar e transformar o núcleo primário dos valores e significados que habitam o mais profundo dos costumes, hábitos e modos de viver e pensar incutidos na e pela sociedade capitalista. O socialismo deve apontar a socialização não apenas do ter e do poder, mas, igualmente, a socialização do criar, no sentido de criar condições objetivas que tornem possível para todos a realização integral e múltipla de todas as potencialidades criadoras do ser humano. Criar a possibilidade de uma vida feliz, que só pode ser alcançada mediante uma liberdade criadora e lúdica e um re-encantamento da vida.

Vemos, de forma clara, como estes pontos portam afinidades com os Princípios e Diretrizes do “Projeto Político Pedagógico” da Recid. Vamos buscar em nossa fonte inspiradora no campo pedagógico elementos que são fermentos as nossas idéias:

8 - O Poder popular e a “Utopia Concreta”


Portanto, a práxis popular articula o realismo das condições atuais com a audácia inovadora derivada de um espírito utópico, o que Paulo Freire chamou de “Inédito-Viável”. A epistemologia de Freire implica “a história como possibilidade” e “ações culturais movidas pelos sonhos, a Utopia libertadora”. Esta tem uma “base ontológica” baseada na “capacidade do ser humano de sonhar”; na “nossa capacidade ontológica de sonhar”. De “projetar para um futuro mais próximo possível dias de paz, equidade e solidariedade. É necessário reativar em nossos corpos conscientes as possibilidades de sonharmos o sonho Utópico que Paulo há anos já vinha nos convidando a sonhar: o sonho possível.

Mas, principalmente, Freire escreveu um pequeno e profundo ensaio sobre “Algumas Reflexões em torno da Utopia”, que segue transcrito abaixo:

“Nunca falo da utopia como uma impossibilidade que, às vezes, pode dar certo. Menos ainda, jamais falo da utopia como refúgio dos que não atuam ou (como) inalcançável pronuncia de quem apenas devaneia. Falo da utopia, pelo contrário, como necessidade fundamental do ser humano. Faz parte de sua natureza, histórica e socialmente constituindo-se que homens e mulheres não prescindam, em condições normais, do sonho e da utopia”.

9 - O que é o Poder Popular ?

Nesta perspectiva, podemos traçar uma idéia que nos sirva como “chave de leitura”, e como uma referência para compreender o que é o Poder Popular. Podemos defini-lo assim: “processo através do qual os locais de vida (trabalho, estudo, lazer, moradia, etc,) das classes populares se transformem em órgãos coletivos constituintes de um poder social alternativo e emancipatório, que permita avançar na construção e consolidação de um campo contra-hegemônico. Trata-se, portanto, de espaços de antecipação e prefiguração de uma nova ordem social, política e econômica.

Nesta perspectiva, não é só nas grandes lutas que se constrói Poder Popular; ele é forjado nas relações que se dão no micro e no cotidiano. É um processo em permanente construção em diversos espaços e esferas: micro, meso e macro; É uma construção subjetiva e objetiva, que se expressa nas relações do dia-a-dia; É, assim, criação ‘heróica’ porque as pessoas põem sentimento, paixões, estudo, pesquisa, lutas e vida.

É experimentação, abertura a novas formas de luta e de organização; abertura às novas formas que a realidade vai colocando como novos desafios. O poder popular precisa estar engravidado do elemento cultural e ético. Supõe um processo de educação, formação de base, oficinas, cirandas, encontros, linguagens diversas e também uma mística que alimente esta construção.

Podemos, então, concluir que não se trata de “tomar o poder” ,‘por cima”, mas de transformar o mundo, “por baixo” e desde baixo para cima. O que, nas palavras de Rosa Luxemburgo, caracteriza-se como um processo de Experimentação onde “os trabalhadores só aprendem a gerir quando entram em ação, não há outro caminho”.

Equipe de coordenação do processo de Sistematização








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